O primeiro sufoco foi quando a agência de intercâmbio pediu que eu preenchesse meu "application". Application é, simplesmente, a coisa mais chata que eu já tiva que fazer até hoje por causa do intercâmbio. Ok, foi a segunda mais chata. A primeira eu vou contar daqui a pouco. O tal application é uma espécie de dossiê que você preenche, falando sobre você mesmo, para que uma família te escolha para te hospedar. O único problema dele é que tem umas vinte e cinco páginas e é todo em inglês. Meus pais não faziam ideia de como falar inglês, então, eles tinham que fazer a parte deles, que era escrever um texto falando sobre mim, e eu tinha que traduzir. Demorei séculos (tá bom, foi menos de um mês) para preencher tudo, porque precisava de algumas coisas assinadas por médicos e por diretores da escola, que fizeram questão de demorar para me entregar a papelada e ainda preencheram errado;
O segundo sufoco foram as reuniões. Eu tinha que ir todas às quartas-feiras a Belo Horizonte para receber orientação sobre o intercâmbio. Chegava em casa mais de onze da noite, exausta, o que resultava numa espécie de "Rayanne Zumbi" nas aulas de quinta-feira, tamanho era o meu sono. Mas eu gostava desse cansaço. Era um cansaço bom, porque era por uma boa causa.
O terceiro sufoco foi o meu passaporte. Ninguém da minha família nunca viajou para o exterior. Desse modo, ninguém, muito menos eu, tinha passaporte. Tirar o passaporte em si foi bem simples, bem organizado, bem rápido. O problema foi que o agendamento para tirar o passaporte ficou para uma data meio distante e, num belo dia, eu recebi uma ligação de uma funcionária da agência dizendo que o pessoal dos Estados Unidos estava cobrando o meu passaporte. Mas ele ainda não tinha ficado pronto. Depois de dois dias da ligação, de uma pitada de desespero, drama e confusão, o passaporte ficou pronto e eu fiz meu pai dirigir até Belo Horizonte em pleno sábado só para buscá-lo. Problema do passaporte: resolvido. 
E então chegou a hora de fazer a coisa mais chata, mais irritante e que muito preocupa um intercambista, que é tirar o visto. Um fato: as pessoas fazem muito terrorismo a respeito de tirar o visto. Não é difícil, realmente. Só tem que arrumar um monte de documentos que, chegando no consulado, eles nem mesmo vão olhar e, no fim das contas, eu fiquei dentro do consulado por menos de uma hora. A parte chata? Viajar 10 horas daqui até São Paulo, já que não tem consulado americano em Belo Horizonte e o do Rio de Janeiro, segundo falam, é muito desorganizado. E, depois de ficar menos de uma hora no consulado, viajar mais 10 horas na volta. Super divertido, não?
É bem fácil de se entender: a prova da UWC, eles deixaram que eu fizesse porque foi indicada por uma amiga da minha mãe. Mas o que eles diriam se eu falasse: "Ei, olha só! Achei uma outra oportunidade num site da internet! Que tal eu fazer mais essa prova, hein?" Certamente não deixariam. Pensariam que a prova era uma fraude, que eu seria sequestrada e roubada quando chegasse ao local indicado no site para fazê-la. Então, para convencê-los, eu fiz a coisa mais simples e mais óbvia do mundo: eu menti.
- Sabe, mãe - assim começava meu discurso. - O pessoal que não passou na prova da UWC indicou uma outra agência que oferece bolsa.
- Ah, é? - ela perguntou. Já se via que ela não estava muito empolgada com a ideia.
- É uma agência em Belo Horizonte. A prova é sábado que vem.
- Aham...
Mas apesar do desinteresse, minha mãe acabou se convencendo a deixar que eu fizesse a prova. Acho que, na verdade, ela ficou sem modos de dizer não, depois que eu entrei em contato com uma funcinária da agência de intercâmbio por e-mail, me inscrevi e mandei tudo que era necessário.
Então lá estava eu, no sábado seguinte, indo para Belo Horizonte e fazendo a prova. Dessa vez, havia aprendido a lição.Não estava tão confiante. Via isso como "apenas mais uma tentativa". Se eu passasse, ótimo. Se eu falhasse, seguiria com a vida.
Não demorou nem uma semana para que eu recebesse o telefonema mais feliz da minha vida. Foi na quarta-feira à tarde, quando me avisaram que eu havia sido a segunda colocada na prova da bolsa. Aí surgia mais um pequeno probleminha: a bolsa para o segundo colocado era para a Alemanha. E se tem uma coisa que eu não sei, é falar alemão. Mas no mesmo dia aconteceu algo que fez com que eu começasse a acreditar em destino. Ligaram novamente da agência, para dizer que o garoto que havia ficado em primeiro lugar na prova queria trocar comigo. Não precisei pensar muito para dizer que trocaria. E assim eu, a garota que poucos dias atrás chorava desesperadamente por não poder realizar seu sonho, me tornava a mais nova futura intercambista nos Estados Unidos.

Quem estava desesperado agora era minha mãe e meu pai, que, acho, não esperavam que eu fosse passar e ficaram meio em choque com o modo como tudo aconteceu tão rápido. Mal sabiam eles que ainda mais sufoco estaria por vir...

UWC era, segundo me contaram, uma espécie de rede de escolas, espalhadas por vários países e que recebia alunos de todo o mundo para cursarem os dois últimos anos do ensino médio lá. Os alunos tinham seus dormitórios nas escolas, que dividiam com pessoas de outros países e, assim, além de estudarem, tinham a oportunidade de conhecer novas culturas. Parecia mágico!
Para entrar nesse "mundo mágico", eu só precisava passar na seleção.
Estávamos no começo de 2008. Segundo as regras da organização, eu deveria me inscrever para a seleção no final de 2009, para fazer as provas no início de 2010. Foi mais de um ano de espera, até que eu pudesse acessar o site, preencher minhas informações e esperar um pouco mais pela data da prova. Enquanto eu esperava, deixava as minhas amigas loucas. UWC, UWC, UWC... Era só sobre isso que eu sabia falar desde que me inscrevera. Eu acessava blogs de alunos dos colégios e, quanto mais via sobre como eles viviam, mais encantada eu ficava.
Fiz a prova em fevereiro de 2010. Era uma prova de múltipla e escolha e uma redação. Eu, que sempre tive boas notas, estava certa de que passaria. Confiante como jamais estivera! Eu tinha mesmo que estar. Parecia que aquela era uma chance única, que eu não podia deixar escapar.
Eu certamente não esperava chegar em casa, numa terça-feira de março de 2010, abrir o site da UWC no meu computador logo que cheguei da aula e, após ler uma lista com os nomes dos aprovados, não encontrar o meu lá. Foi um choque para mim. O dia mais desesperador e mais infeliz da minha vida. Chorei desde o momento em que vi a página até a hora de deitar. Estava, mais do que triste, com vergonha. Vergonha por ter decepcionado a mim mesma e a todos que acreditaram em mim. No dia seguinte, na aula, sempre que me lembrava da minha falha, sentia vontade de chorar. Passei quase todos os seis horários de cabeça baixa, escondida, fingindo que estava dormindo. Naquele dia, eu estava com raiva do mundo. Com raiva de todos, porque era o dia mais triste da minha vida e ninguém nem mesmo percebia. Ninguém me perguntou se eu estava bem. Não havia ninguém com quem desabafar. Minha própria mãe, na noite anterior, havia desistido de me consolar.
- Você ainda é jovem, tem uma vida inteira pela frente - ela dizia, muito mais em tom de repreensão que de piedade. - Não deve ficar chorando por causa disso.
Mas eu não queria uma vida inteira pela frente. Eu preferia dois anos de uma vida num colégio da UWC à imortalidade. Eu estava praticamente louca. Então eu fiz o inesperado. Cheguei em casa na quinta-feira, por volta das quatro da tarde, sentei na frente do computador e lá fiquei, até quase onze da noite, procurando alguma agência que oferecesse bolsas de intercâmbio. Encontrei, depois de uma longa procura, uma agência chamada True Experience que, para minha felicidade, ficava em Belo Horizonte, uma cidade próxima do lugar onde moro. E novamente num golpe de sorte, a prova para concorrer a bolsa seria realizada na semana seguinte. Imagine se eu demoro alguns dias mais para procurar a bolsa. Eu acabaria perdendo uma grande chance.
Restava um novo desafio: convencer meus pais a deixar que eu fizesse a prova.

Já faz tanto tempo que eu nem me lembro mais de como, quando ou porque surgiu essa ideia de fazer intercâmbio. Mas uma coisa é certa: aquilo que havia começado como uma simples vontade tornou-se, sem que eu percebesse, um ideal para minha vida. Eu queria um intercâmbio mais que tudo. Queria ser diferente, e não apenas mais uma garota normal, de um colégio normal, com uma vida normal. Eu queria... ousar.
Havia apenas uma coisa que me impedia de fazer isso. Lembro-me bem de quando, na única vez em que toquei no assunto com a minha mãe, ela me chamou a atenção para essa coisa.
- Não, não e não - foi mais ou menos assim que ela disse. - Não dá pra você fazer um intercâmbio. Você tem ideia de quanto custaria algo assim? Pra nós, simplesmente não dá.
E eu não insisti. Eu sabia que minha mãe estava certa. Apesar de eu estudar em um colégio particular, eu não era filha de pais ricos, que podiam ser dar ao luxo de me manter por um ano vivendo em um país estrangeiro. Tudo que eles tinham, conseguiram com muito esforço e eles certamente não estavam preparados para o que eu estava lhes
pedindo.
Mesmo sabendo que o meu sonho não se tornaria realidade, eu não parava de sonhar. Costumava imaginar na minha cabeça formas mágicas de chegar até um país estrangeiro, que na minha mente geralmente eram os Estados Unidos. Eu imaginava que meus pais ganhariam na loteria e me mandariam para um intercâmbio. E não contente com isso,
imaginava as pessoas que eu conheceria lá, os diálogos que eu teria com elas e os momentos que passaria nesse novo país. Era o intercâmbio idealizado que nunca se tornaria realidade.
Surgiu uma oportunidade para que eu realizasse meu sonho. Minha mãe ficou sabendo dela através de uma amiga e, logo que me contou sobre isso, acendeu uma chama de esperança em mim. Uma chama de esperança chamada UWC.
Olá mocinhas e mocinhos; senhoras, senhores e senhoritas; e olá qualquer um que esteja acessando o blog. Sejam bem-vindos! Esse é o primeiro post e tem a função de nada mais, nada menos que informar sobre como vai funcionar o "A Terra do Tio Sam".
Em primeiro lugar, vou explicar o porquê do nome ser esse. O Tio Sam é uma espécie de personificação dos Estados Unidos da América, lugar onde, durante um ano, eu estarei fazendo intercâmbio. A imagem do Tio Sam era usada em cartazes na época da Primeira Guerra Mundial, para recrutar soldados.

Eu criei o blog depois que várias pessoas sugeriram que eu fizesse isso, para manter todos no Brasil informados sobre minha "aventura no exterior". Não sei com que frequência vou poder postar aqui, já que não sei como a rotina dos estadunidenses funciona, mas garanto que estarei aqui sempre que possível. Os primeiros posts, que eu farei ainda essa semana, contarão um pouco da minha jornada, desde a ideia de fazer o intercâmbio, até como foram (ou estão sendo) meus últimos dias aqui no Brasil antes de ir.
Continuem acompanhando, e eu prometo que o próximo post vai ser menos inútil que esse!